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segunda-feira, 6 de abril de 2020

Gripe espanhola - “a pandemia esquecida”

Boa noite,
O artigo de hoje foi redigido pelo Miguel Carvalho traz-nos um throwback a uma das mais devastadoras epidemias da história do nosso planeta. Não se esqueçam e partilhar e dar feedback! Boa leitura.

             Segunda-feira, 11 de Março de 1918, numa instalação de treino militar no Kansas, Fort Riley-EUA. Nessa manhã particular, num regimento que aquartelava 26 mil soldados norte-americanos , o soldado Albert Gitchell acordou num estado execrável. Com dor generalizada, garganta inflamada e uma febre altíssima -39,4ºC - dirigiu-se à enfermaria. Logo após Gitchell, seria a vez de o Cabo Lee Drake visitar a enfermaria com exatamente os mesmos sintomas. O Sargento Adolph Hurby seria o próximo a juntar-se a uma fila pela qual passariam, ao longo do dia, dezenas de outros soldados.

Terá sido Albert Gitchell o “paciente zero”, o primeiro infetado com a Gripe Espanhola de 1918? Essa é uma questão controversa até aos dias de hoje. O que sabemos é que milhares de unidades militares norte-americanas infetadas se dirigiriam, poucos meses depois, até aos campos de batalha europeus. 
O foco de contágio estava prestes a tornar-se global. 

             Se tudo indica que a gripe começou no Kansas, qual a razão da designação “Gripe Espanhola”? Parece não fazer qualquer sentido. Mas se analisarmos as raízes históricas subjacentes encontraremos a resposta. Em 1918, Espanha era das poucas nações neutrais do conflito na Europa Ocidental. Nesse sentido, seria a imprensa espanhola uma das mais diligentes e interventivas a noticiar a evolução do vírus. Gerar-se-ia a falsa convicção de que o vírus tinha nascido em Espanha e que estava a matar como nunca no nosso país vizinho. Espanha foi simplesmente a primeira nação a noticiar que o vírus existia. Por conseguinte, a expressão Gripe Espanhola emana de uma falsa convicção do público e não da realidade propriamente dita.

A disseminação do vírus foi explosiva e ...global. Estima-se que, no seu auge, 27% da população mundial tenha sido contagiada. 50 a 100 milhões de mortos. Em termos comparativos, a Primeira Guerra Mundial vitimou entre 20 a 25 milhões de pessoas. A Gripe Espanhola matou mais em 25 semanas que o vírus da HIV em 25 anos. Só nos EUA, perto de 700 mil pessoas perderam a vida. Esse número é 10 vezes superior ao número total de baixas militares e civis provocadas pela Guerra do Vietname. A esperança média de vida do homem norte-americano rondava os 39 anos em 1918. Em Portugal, dezenas de milhares de pessoas foram dizimadas. Estes números são assustadores, dignos de uma pandemia apenas ultrapassada em letalidade pela Segunda Guerra Mundial. Esperemos que sirvam como lições do passado perante os desafios com que nos deparamos nos dias que correm.

             No que concerne à análise de qualquer pandemia, é sempre da maior relevância atentar nas circunstâncias subjacentes à sua propagação. Afinal, como é que o vírus se disseminou a uma escala global numa era onde nem sequer a aviação comercial existia?


             Para a disseminação do vírus, contribuiu essencialmente a Primeira Guerra Mundial. O confinamento de milhares de soldados infetados, em espaços exíguos, desprovidos de quaisquer condições, ampliou os focos de contágio. Por outro lado, a Primeira Guerra foi a primeira a ser efetivamente... mundial. Envolveu não só as nações beligerantes, como as próprias colónias e uma enorme estratégia de mobilização. Múltiplos historiadores advogam que “o desenvolvimento de uma estratégia de guerra global, com vista à mobilização de um grande número de homens e maquinaria para combater em cenários de conflito próximo, foi decisiva para a expansão da epidemia”.

             Cumulativamente, a elevada letalidade da pneumónica acaba por ser indissociável de dois fatores nucleares: a grave sintomatologia e a precariedade dos cuidados médicos prestados.

             O vírus da gripe espanhola tinha a capacidade de afetar uma multiplicidade de sistemas do organismo, desde o respiratório até ao nervoso, passando pelo digestivo, renal ou circulatório. O número de sintomas associados era incomensurável pelo que mencionaremos apenas a febre elevada, hemorragias nasais , pneumonia e acumulação de fluidos pulmonares. Esta conjugação de sintomas era devastadora, conduzindo à morte. Eis o retrato de uma epidemia “demasiado severa para o seu tempo.”. 

Toda esta conjuntura de calamidade, associada ao morticínio da guerra, seria exacerbada pela existência de uma Ciência Médica que simplesmente não conseguiu encontrar soluções. Na altura,  os médicos não só não sabiam da existência de um vírus como não dispunham de microscópios que permitissem o desenvolvimento de estudos patológicos. Nunca existiu nenhuma campanha de sensibilização dos meios de comunicação social. O recurso a medidas efetivas de prevenção foi, para todos os efeitos, inexistente. A inércia dos “media” e subdesenvolvimento científico desencadearam uma das maiores catástrofes humanas da História Contemporânea.

             O objetivo deste artigo não passa por assustar os nossos estimados leitores, mas antes por reforçar a falibilidade da condição humana. Se a geração dos nossos tetravôs conseguiu, a muito custo, superar a guerra contra a Gripe Espanhola é da nossa obrigação moral e ética, atendendo à tecnologia que temos ao nosso dispor, que juntemos esforços para superar a Covid-19.

Obrigado pela atenção,

Miguel Carvalho 

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