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domingo, 19 de abril de 2020

Compreendendo a ascensão de Hitler

Como é que Adolf Hitler, um dos mais famigerados tiranos da Era Contemporânea, orquestrador de um dos maiores genocídios da História humana, chegou ao poder num país democrático? Quais as circunstâncias subjacentes à sua ascensão?


Adolf Hitler na Primeira Guerra Mundial
Esta história principia com o fim da Primeira Guerra Mundial. 
Em 1918, com o constante avanço das potências aliadas, ganhar a guerra era um esforço cada vez mais improvável e inexequível para os alemães. Em novembro desse mesmo ano, o esforço de guerra do Império Germânico colapsou definitivamente. A guerra estava perdida. Com o avanço vitorioso dos Aliados, a Alemanha assinou um armistício que pôs fim ao conflito.

Tratado de Versalhes, 1919 - uma humilhação germânica para Hitler

Com a derrota na guerra e a queda do governo imperialista, o país foi assoberbado por uma incrível comoção social e política. As greves operárias, fomentadas pelo triunfo do Comunismo na União Soviética, eram constantes. A efervescência, o tumulto e a instabilidade civil espalharam-se por toda a nação.

Temendo uma revolução comunista, os principais partidos políticos congregaram esforços, suprimindo as revoltas e instaurando uma república parlamentar - a república de Weimar. Uma das tarefas do governo empossado seria, justamente, a implementação das cláusulas do tratado de paz imposto pelos aliados (Tratado de Versalhes, 1919).


Sátiro do NY Times, 1919- Tratado de Versalhes- Crise Pós Guerra
Em adição de ser amputada de cerca de um décimo do seu território, a Alemanha foi forçada a desmantelar o seu exército e reconhecer a sua responsabilidade pela eclosão do conflito. Procedeu ao pagamento de avultadas indemnizações de guerra às nações vencedoras, algo que ainda debilitou mais a sua já depauperada economia. A Alemanha, 1919, estava num estado miserável. O estado execrável e atroz da nação foi considerado uma humilhação por muitos nacionalistas e veteranos. Acreditavam, erradamente, que a guerra poderia ter sido ganha se o exército não tivesse sido traído e corrompido por políticos e opositores.

Para Hitler estas ideias tornaram-se uma convicção. Mais do que isso, uma obsessão. O seu fanatismo e desejos de expansão acabariam por se repercutir, de forma dramática, na perseguição dos judeus e desembocar num segundo conflito mundial.

Não obstante os seus delírios paranoicos e toda a malícia que rodeia esta figura, cumpre reconhecer que Hitler foi um grandes oradores do seu tempo. A maneira como estruturava as suas frases, os termos que empregava, o tom exacerbado do seu discurso encantou milhões de alemães e encontrou eco numa sociedade que contava com um grande núcleo de população antissemita. Em 1919, centenas de milhares de judeus integravam a sociedade alemã. Muitos ainda os consideravam como intrusos, indignos da sua nação.



O apoio do magnata norte-americano Henry Ford à causa nazi 
Depois da I Guerra Mundial, o êxito dos judeus levou a acusações infundadas. Muitos advogavam que haviam sido os judeus os grandes culpados pelo colapso na guerra. Estas teorias da conspiração
nasceram do medo, da raiva e do fanatismo. Não de factos. Não eram factos históricos. Eram factos histéricos. Apesar disso, a mensagem de Hitler triunfou.

Quando aderiu a um pequeno partido político-nacionalista, a erudição
do seu discurso manipulador propalou-o para a liderança do movimento. O partido nazi - NationAlsoZialistIsche Deutsche Arbeiterpartei- arrastava colossais multidões. Aliando ao seu antissemitismo o ressentimento popular, os nazis denunciaram o comunismo e o capitalismo como conspirações internacionais dos judeus com vista à destruição da Alemanha.

Numa fase embrionária do movimento, o partido nazi não era de todo popular. Depois de uma tentativa fracassada tendente a fazer colapsar o governo em funções, as atividades do partido foram interditadas. Hitler seria preso por traição. Ficaria encarcerado durante um ano na prisão de Landsberg-am-Lech. Aproveitaria para redigir a sua obra magna, a bíblia do nazismo - Mein Kampf.


A breve estadia de Hitler na prisão de Landsberg-am-Lech
 .
Depois da sua libertação, a reconstrução do movimento nazi seria reiniciada. Em 1929, mais um colapso na economia alemã: a Grande Depressão. Os principais bancos americanos retirariam os seus empréstimos à Alemanha, créditos esses que eram o grande alicerce da recuperação do país. A estrutura económica germânica, já em dificuldades, desmoronou-se de um dia para o outro.


Hitler, com mestria,  explorou a raiva da população. Ofereceu aos alemães convenientes bodes expiatórios pelo flagelo económico. Prometeu restaurar a antiga grandiosidade do Império Germânico. Prometeu a remilitarização. Prometeu a recuperação económica. Se a esquerda política alemã estava corroída por constantes disputas internas, os demais partidos mostravam-se igualmente incapazes de controlar e debelar a crise.

A miséria da Grande Depressão na Alemanha, anos 30

Por conseguinte, parte da população, frustrada, virou-se para os nazis.
Os seus votos parlamentares registaram o aumento exponencial de 3% para 18% em apenas dois anos. Em 1932, Hitler candidatou-se a presidente.
Perderia as eleições para o herói de guerra condecorado, o general von Hindenburg. Não obstante a sua derrota, com 36% dos votos, a dimensão do seu discurso e a magnitude do seu movimento político eram inequívocas.

No ano seguinte, conselheiros e magnatas industriais convenceram Hindenburg a nomear Hitler como Chanceler, na esperança de canalizar a sua popularidade para a prossecução dos seus objetivos particulares.

Pese embora o Chanceler seja, ainda hoje,  apenas o chefe administrativo do parlamento, Hitler foi expandindo paulatinamente o poder da sua posição. Entretanto, os seus apoiantes formavam grupos paramilitares e combatiam os opositores no meio da rua. Hitler despoletava o medo de uma revolta comunista. Reiterava que só ele poderia repor a lei e a ordem.

Em 1933, um jovem operário seria condenado, acusado de ter lançado fogo ao edifício do parlamento.
Hitler recorreu a este incidente para convencer o governo a conceder-lhe poderes especiais de emergência. Em meros meses, a estrutura democrática alemã seria inexoravelmente demolida: foi abolida a liberdade de imprensa; a oposição política seria dissolvida; leis discriminatórias contra os judeus seriam aprovadas. Possíveis rivais políticos, executados. Com o falecimento do presidente Hindenburg, em agosto de 1934, ficou bem claro que não haveria novas eleições. Hitler era o líder incontestável.

Comício de Nuremberga, 1936
Muitas das primeiras medidas de Hitler não necessitaram de recorrer ao controlo ou repressão de massas. Os seus discursos granjearam o apoio dos alemães ao movimento nazi. Concomitantemente, os homens de negócios e grandes intelectuais, desejosos de  estar do lado da opinião pública, apoiaram Hitler.


Convenceram-se uns aos outros que aquela retórica exacerbada e radical era apenas fachada. Com 6 milhões de judeus mortos e 60 milhões de baixas na Segunda Guerra Mundial, hoje sabemos que era muito mais que isso.

 Décadas mais tarde, a ascensão de Hitler constitui um aviso de como as instituições democráticas podem ser frágeis, perante multidões enraivecidas e perante um líder desejoso de alimentar essa raiva e medo. A consolidação da democracia deverá ser sempre um esforço conjunto e indeclinável, imune ao fanatismo tirânico e à desprestigiação do que é ser humano.

A ascensão de Hitler, 1933
Um obrigado, 
Miguel Carvalho

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