O dia de ontem foi celebrado de uma forma diferente devido às circunstâncias de isolamento social em que nos encontramos. Curioso, o Dia da Liberdade celebrado em pleno estado de emergência, num momento em que estamos privados de algumas liberdades. Ontem não se viram os habituais desfiles e manifestações que levam milhares às ruas da capital e do resto do país.
Foto: LUSA |
Existiram vozes críticas à realização da cerimónia, vindas das bancadas mais a direita. O CDS e o Chega assumiram que a cerimónia não se deveria realizar com o deputado João Almeida do CDS a pedir que "haja coerência no discurso das entidades públicas". "Não se pode proibir a celebração da Páscoa, mantendo a celebração do 25 de Abril, que desrespeita no parlamento tudo aquilo que são as normas que as entidades públicas recomendam"
Acrescenta: "é fundamental que estejam à altura do momento e que não demos sinais errados para não comprometer o sucesso que todos queremos atingir".
Contudo, a proposta para a realização acabou por ser aceite com a maioria da assembleia a não se opor à realização.
Foto: LUSA |
"É precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui mais do que um costume ou ritual, o que é manifestamente essencial", "Em tempos excecionais de dor, de sofrimento, de luto, separação, de confinamento, a que mais importa evocar: a pátria, a independência, a república, a liberdade e a democracia".
Assumindo-se um defensor da celebração deste dia, mas em diferentes moldes. "Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignora-lo. Invocar o 25 de Abril é combater a crise na saúde e a crise social. Invocar o 25 de Abril é chorar os mortos".
"Esta sessão é um bom e não um mau exemplo. O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um país a viver este tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e, são, mais do que nunca, imprescindíveis.
"Deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele porventura mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos seria um absurdo cívico".
Marcelo assume a sua inquestionável convicção que a cerimónia tinha de ser realizada, assim como o 10 de Junho e 1 de Dezembro serão de igual forma celebrados, São datas que significam o que é ser português e não poderão ser de qualquer forma esquecidas.
Os portugueses que quiseram celebrar este marco importante na história do nosso país tiveram de se adaptar. A grande maioria assinalou o seu contributo a cantar a irónica canção "Grândola Vila Morena" de Zeca Afonso nas varandas das suas casas quando eram 15h.
Fotos: António Cotrim/LUSA |
Foto: Fernando Araújo/LUSA |
Foto: José Sena Goulão/ LUSA |
Ultrapassaremos as adversidades, somos Portugal!
É inquestionável que o 25 de abril é um marco de esperança, porém as opiniões divergem quanto ao caminho que esta revolução levou Portugal. Vejam o que o Miguel Carvalho tem a dizer:
O 25 de abril constituiu um dos marcos fundamentais da afirmação democrática portuguesa e um pilar de importância nuclear na afirmação da soberania individual, da liberdade e desenvolvimento pessoal e intelectual. Figuras como o Capitão Salgueiro Maia ou o Major Otelo Saraiva de Carvalho permanecerão como ícones da Revolução e da História Contemporânea Portuguesa.
Não obstante o seu digno propósito, o 25 de abril é, a meu ver, um movimento frustrado nos seus objetivos.
Atente-se, para o efeito, nos 3 grandes objetivos definidos, nas 3 linhas de orientação preconizadas pela Junta de Salvação Nacional, no rescaldo do golpe de abril. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver.
Três palavras reiteradas na altura até à exaustão, mas que falharam rotundamente os projetos que procuraram consubstanciar.
Comecemos pela descolonização.
Portugal, um nação com uma herança colonial vincada, entrou na embriaguez do movimento descolonizador. Descolonizar a África Portuguesa era inevitável, de facto. Mas o processo que superintendeu essa descolonização foi ultrajante.
Não foi acautelado e potenciado o desenvolvimento económico das colónias. A indefinição política resultou na eclosão de violentas guerras civis partidárias, como sucedeu em Angola, por exemplo. A própria segurança da população portuguesa residente no Ultramar foi descurada. O laxismo das autoridades portuguesas na forma como lidaram com o drama dos retornados é mais do que ilustrativo desse facto. Com base neste agregado de circunstâncias, conclui-se que o primeiro objetivo foi completamente desvirtuado. A descolonização portuguesa foi apressada, precipitada e deixou muito a desejar.
Abordemos agora a questão da democratização. Este ponto parece não abonar muito a favor da minha argumentação. Afinal, foi precisamente o 25 de abril que libertou a nação das amarras de um regime autocrático. Instituiu a liberdade de imprensa, de opinião, de consciência. Corporizou um progresso significativo na emancipação e valorização da mulher. Incrementou a instrução dos portugueses. Desencadeou o início de um processo que culminaria com a adesão de Portugal na União Europeia. Foi um passo decisivo para a nossa inserção nos grandes circuitos de comércio internacional e um “cluster” para o desenvolvimento tecnológico. Instaurou um regime democrático pluripartidário, assente na liberdade de reunião e pensamento. Mas existem democracias e democracias.
Na minha ótica, a democracia mais íntegra tem necessariamente de incluir a prestação de contas. Os governantes têm de ser tidos responsáveis perante os governados. E a verdade é que, com o 25 de abril, Portugal saiu de um regime fascista para entrar num regime laxista. Ainda hoje, impera em Portugal uma cultura de total irresponsabilidade política. Podemos pensar na tragédia de Pedrógão, por exemplo. Ou nos escândalos de corrupção de antigos políticos ou de figuras da alta finança. Ou na hipocrisia de todos os políticos que apenas se lembram do subdesenvolvido Interior do país, não enquanto estão no decurso do exercício das suas funções, mas apenas na altura das campanhas eleitorais. Enfim, os exemplos multiplicam-se. A Revolução de abril reconquistou a democracia é certo. Mas que democracia foi recuperada? Uma democracia degenerada, seguramente.
Por último, o tópico do desenvolvimento. Mesmo sendo um termo muito lato, é lícito afirmar que, desde a Revolução, Portugal enveredou pela via do desenvolvimento social, económico e intelectual. Regra geral, cada um de nós vive melhor hoje comparativamente com os nossos bisavós há 60 anos atrás.
Cada estudante português domina, em média, uma pluralidade de idiomas. O número de indigentes é reduzido. São menos aqueles que vegetam na pobreza extrema. Dispomos de um sistema de saneamento e infraestruturas desenvolvidos. As grandes metrópoles oferecem uma miríade de serviços e equipamentos diversificados e eficazes na prossecução das necessidades dos portugueses. Permitam-me todavia advogar que o desenvolvimento do país nestas últimas décadas permaneceu muito aquém do esperado.
Continuamos a ser das nações com a maior carga fiscal da UE. A nossa estrutura económica excessivamente dependente do turismo. O peso do nosso PIB, a nível comunitário, é muito pouco significativo. O rendimento médio dos portugueses permanece aquém do esperado. As nossas forças de segurança cada vez mais desprotegidas. As Forças Armadas carecem de efetivos e investimento. O desenvolvimento existe, é certo. Mas não tem sido cabalmente suficiente para atender quer às necessidades de desenvolvimento nacional quer à grandeza histórico-cultural da nossa bela nação.
O 25 de abril abriu-nos as portas da liberdade e da justiça social. Fez-nos trilhar um caminho que, não obstante, desvirtuou esse propósitos.
Obrigado,
Daniel Branco e Miguel Carvalho
Não obstante o seu digno propósito, o 25 de abril é, a meu ver, um movimento frustrado nos seus objetivos.
Atente-se, para o efeito, nos 3 grandes objetivos definidos, nas 3 linhas de orientação preconizadas pela Junta de Salvação Nacional, no rescaldo do golpe de abril. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver.
Retornados das colónias (GLOBAL IMAGENS) |
Comecemos pela descolonização.
Portugal, um nação com uma herança colonial vincada, entrou na embriaguez do movimento descolonizador. Descolonizar a África Portuguesa era inevitável, de facto. Mas o processo que superintendeu essa descolonização foi ultrajante.
Não foi acautelado e potenciado o desenvolvimento económico das colónias. A indefinição política resultou na eclosão de violentas guerras civis partidárias, como sucedeu em Angola, por exemplo. A própria segurança da população portuguesa residente no Ultramar foi descurada. O laxismo das autoridades portuguesas na forma como lidaram com o drama dos retornados é mais do que ilustrativo desse facto. Com base neste agregado de circunstâncias, conclui-se que o primeiro objetivo foi completamente desvirtuado. A descolonização portuguesa foi apressada, precipitada e deixou muito a desejar.
Abordemos agora a questão da democratização. Este ponto parece não abonar muito a favor da minha argumentação. Afinal, foi precisamente o 25 de abril que libertou a nação das amarras de um regime autocrático. Instituiu a liberdade de imprensa, de opinião, de consciência. Corporizou um progresso significativo na emancipação e valorização da mulher. Incrementou a instrução dos portugueses. Desencadeou o início de um processo que culminaria com a adesão de Portugal na União Europeia. Foi um passo decisivo para a nossa inserção nos grandes circuitos de comércio internacional e um “cluster” para o desenvolvimento tecnológico. Instaurou um regime democrático pluripartidário, assente na liberdade de reunião e pensamento. Mas existem democracias e democracias.
Sessão da Assembleia Nacional, partido único em 1949 (Arquivo AR) |
Na minha ótica, a democracia mais íntegra tem necessariamente de incluir a prestação de contas. Os governantes têm de ser tidos responsáveis perante os governados. E a verdade é que, com o 25 de abril, Portugal saiu de um regime fascista para entrar num regime laxista. Ainda hoje, impera em Portugal uma cultura de total irresponsabilidade política. Podemos pensar na tragédia de Pedrógão, por exemplo. Ou nos escândalos de corrupção de antigos políticos ou de figuras da alta finança. Ou na hipocrisia de todos os políticos que apenas se lembram do subdesenvolvido Interior do país, não enquanto estão no decurso do exercício das suas funções, mas apenas na altura das campanhas eleitorais. Enfim, os exemplos multiplicam-se. A Revolução de abril reconquistou a democracia é certo. Mas que democracia foi recuperada? Uma democracia degenerada, seguramente.
Por último, o tópico do desenvolvimento. Mesmo sendo um termo muito lato, é lícito afirmar que, desde a Revolução, Portugal enveredou pela via do desenvolvimento social, económico e intelectual. Regra geral, cada um de nós vive melhor hoje comparativamente com os nossos bisavós há 60 anos atrás.
Quartel do Carmo, 1974 |
Cada estudante português domina, em média, uma pluralidade de idiomas. O número de indigentes é reduzido. São menos aqueles que vegetam na pobreza extrema. Dispomos de um sistema de saneamento e infraestruturas desenvolvidos. As grandes metrópoles oferecem uma miríade de serviços e equipamentos diversificados e eficazes na prossecução das necessidades dos portugueses. Permitam-me todavia advogar que o desenvolvimento do país nestas últimas décadas permaneceu muito aquém do esperado.
Continuamos a ser das nações com a maior carga fiscal da UE. A nossa estrutura económica excessivamente dependente do turismo. O peso do nosso PIB, a nível comunitário, é muito pouco significativo. O rendimento médio dos portugueses permanece aquém do esperado. As nossas forças de segurança cada vez mais desprotegidas. As Forças Armadas carecem de efetivos e investimento. O desenvolvimento existe, é certo. Mas não tem sido cabalmente suficiente para atender quer às necessidades de desenvolvimento nacional quer à grandeza histórico-cultural da nossa bela nação.
O 25 de abril abriu-nos as portas da liberdade e da justiça social. Fez-nos trilhar um caminho que, não obstante, desvirtuou esse propósitos.
Obrigado,
Daniel Branco e Miguel Carvalho
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