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segunda-feira, 6 de julho de 2020

A grande conspiração contra Júlio César | Kathryn Tempest

A 15 de março do ano 44 a.C., o ditador romano, Júlio César, foi assassinado por um grupo de cerca de 60 dos seus senadores. 
Porque é que esses autointitulados Libertadores o quiseram matar? 
E porque é que Bruto, cuja vida tinha sido salva por César, se juntou à conspiração? Kathryn Tempest  investiga o assassínio pessoal e político de Júlio César.



Obrigado,
Miguel Carvalho

sábado, 20 de junho de 2020

Como "arrumar" estátuas polémicas?

Boa noite,
A cidadela de Spandau, na Alemanha, pode servir de exemplo para contextualizar obras retiradas do espaço público por representarem pessoas ou ideias que não estão em conformidade com os dias de hoje.


Tour pela Cidadela de Spandau: 



Obrigado,
Miguel Carvalho

domingo, 26 de abril de 2020

25 de Abril

Ontem, celebrou-se-se o 25 de Abril, dia em que o povo português readquiriu a sua liberdade da ditadura que durou quase 50 anos.
             O dia de ontem foi celebrado de uma forma diferente devido às circunstâncias de isolamento social em que nos encontramos. Curioso, o Dia da Liberdade celebrado em pleno estado de emergência, num momento em que estamos privados de algumas liberdades. Ontem não se viram os habituais desfiles e manifestações que levam milhares às ruas da capital e do resto do país.


Foto: LUSA
Na Assembleia da República, a habitual cerimónia que contava com todos os deputados, as mais altas figuras do estado e da presidência e as centenas de convidados nas galerias teve de ser adaptada consoante a situação que vivemos. Contou com apenas um total de 100 pessoas seguindo as direções da Direção Geral da Saúde.

             Existiram vozes críticas à realização da cerimónia, vindas das bancadas mais a direita. O CDS e o Chega assumiram que a cerimónia não se deveria realizar com o deputado João Almeida do CDS a pedir que "haja coerência no discurso das entidades públicas". "Não se pode proibir a celebração da Páscoa, mantendo a celebração do 25 de Abril, que desrespeita no parlamento tudo aquilo que são as normas que as entidades públicas recomendam" 
             Acrescenta: "é fundamental que estejam à altura do momento e que não demos sinais errados para não comprometer o sucesso que todos queremos atingir".
             Contudo, a proposta para a realização acabou por ser aceite com a maioria da assembleia a não se opor à realização.


Foto: LUSA
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso à nação focou-se na importância desta celebração como um símbolo de um Portugal livre sendo que este dia não podia deixar descer celebrado: 



"É precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui mais do que um costume ou ritual, o que é manifestamente essencial", "Em tempos excecionais de dor, de sofrimento, de luto, separação, de confinamento, a que mais importa evocar: a pátria, a independência, a república, a liberdade e a democracia".

Assumindo-se um defensor da celebração deste dia, mas em diferentes moldes. "Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignora-lo. Invocar o 25 de Abril é combater a crise na saúde e a crise social. Invocar o 25 de Abril é chorar os mortos".

"Esta sessão é um bom e não um mau exemplo. O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um país a viver este tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e, são, mais do que nunca, imprescindíveis.

"Deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele porventura mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos seria um absurdo cívico".

Marcelo assume a sua inquestionável convicção que a cerimónia tinha de ser realizada, assim como o 10 de Junho e 1 de Dezembro serão de igual forma celebrados, São datas que significam o que é ser português e não poderão ser de qualquer forma esquecidas.

Os portugueses que quiseram celebrar este marco importante na história do nosso país tiveram de se adaptar. A grande maioria assinalou o seu contributo a cantar a irónica canção "Grândola Vila Morena" de Zeca Afonso nas varandas das suas casas quando eram 15h.


Fotos: António Cotrim/LUSA
Foto: Fernando Araújo/LUSA
De todos estes grandes momentos de sentimento patriota, um destacou-se. 

Foto: José Sena Goulão/ LUSA
             Este senhor desfilou sozinho toda a avenida da Liberdade de bandeira hasteada. Esta que será uma das fotos do ano, adquire um significado especial face às dificuldades que hoje vivemos e que se agravarão devido à crise que se instalará. Porém, não podemos baixar os braços! Não podemos desanimar, não podemos desistir, não podemos ficar parados, temos de sair à sua, ser produtivos de alguma forma, sermos empreendedores, consumirmos produtos portugueses, apostar não que é nosso, apostar em nós. Só assim será tudo mais fácil. 
Ultrapassaremos as adversidades, somos Portugal!

É inquestionável que o 25 de abril é um marco de esperança, porém as opiniões divergem quanto ao caminho que esta revolução levou Portugal. Vejam o que o Miguel Carvalho tem a dizer:

O 25 de abril constituiu um dos marcos fundamentais da afirmação democrática portuguesa e um pilar de importância nuclear na afirmação da soberania individual, da liberdade e desenvolvimento pessoal e intelectual. Figuras como o Capitão Salgueiro Maia ou o Major Otelo Saraiva de Carvalho permanecerão como ícones da Revolução e da História Contemporânea Portuguesa.

Não obstante o seu digno propósito, o 25 de abril é, a meu ver, um movimento frustrado nos seus objetivos.
Atente-se, para o efeito, nos 3 grandes objetivos definidos, nas 3 linhas de orientação preconizadas pela Junta de Salvação Nacional, no rescaldo do golpe de abril. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver. Descolonizar, democratizar, desenvolver.


Retornados das colónias (GLOBAL IMAGENS)
Três palavras reiteradas na altura até à exaustão, mas que falharam rotundamente os projetos que procuraram consubstanciar.
Comecemos pela descolonização. 



Portugal, um nação com uma herança colonial vincada, entrou na embriaguez do movimento descolonizador. Descolonizar a África Portuguesa era inevitável, de facto. Mas o processo que superintendeu essa descolonização foi ultrajante. 
             Não foi acautelado e potenciado o desenvolvimento económico das colónias. A indefinição política resultou na eclosão de violentas guerras civis partidárias, como sucedeu em Angola, por exemplo. A própria segurança da população portuguesa residente no Ultramar foi descurada. O laxismo das autoridades portuguesas na forma como lidaram com o drama dos retornados é mais do que ilustrativo desse facto. Com base neste agregado de circunstâncias, conclui-se que o primeiro objetivo foi completamente desvirtuado. A descolonização portuguesa foi apressada, precipitada e deixou muito a desejar.

             Abordemos agora a questão da democratização. Este ponto parece não abonar muito a favor da minha argumentação. Afinal, foi precisamente o 25 de abril que libertou a nação das amarras de um regime autocrático. Instituiu a liberdade de imprensa, de opinião, de consciência. Corporizou um progresso significativo na emancipação e valorização da mulher. Incrementou a instrução dos portugueses. Desencadeou o início de um processo que culminaria com a adesão de Portugal na União Europeia. Foi um passo decisivo para a nossa inserção nos grandes circuitos de comércio internacional e um “cluster” para o desenvolvimento tecnológico. Instaurou um regime democrático pluripartidário, assente na liberdade de reunião e pensamento. Mas existem democracias e democracias. 


Sessão da Assembleia Nacional, partido único em 1949 (Arquivo AR)

             Na minha ótica, a democracia mais íntegra tem necessariamente de incluir a prestação de contas. Os governantes têm de ser tidos responsáveis perante os governados. E a verdade é que, com o 25 de abril, Portugal saiu de um regime fascista para entrar num regime laxista. Ainda hoje, impera em Portugal uma cultura de total irresponsabilidade política. Podemos pensar na tragédia de Pedrógão, por exemplo. Ou nos escândalos de corrupção de antigos políticos ou de figuras da alta finança. Ou na hipocrisia de todos os políticos que apenas se lembram do subdesenvolvido Interior do país, não enquanto estão no decurso do exercício das suas funções, mas apenas na altura das campanhas eleitorais. Enfim, os exemplos multiplicam-se. A Revolução de abril reconquistou a democracia é certo. Mas que democracia foi recuperada? Uma democracia degenerada, seguramente.

             Por último, o tópico do desenvolvimento. Mesmo sendo um termo muito lato, é lícito afirmar que, desde a Revolução, Portugal enveredou pela via do desenvolvimento social, económico e intelectual. Regra geral, cada um de nós vive melhor hoje comparativamente com os nossos bisavós há 60 anos atrás. 


Quartel do Carmo, 1974

             Cada estudante português domina, em média, uma pluralidade de idiomas. O número de indigentes é reduzido. São menos aqueles que vegetam na pobreza extrema. Dispomos de um sistema de saneamento e infraestruturas desenvolvidos. As grandes metrópoles oferecem uma miríade de serviços e equipamentos diversificados e eficazes na prossecução das necessidades dos portugueses. Permitam-me todavia advogar que o desenvolvimento do país nestas últimas décadas permaneceu muito aquém do esperado.
             Continuamos a ser das nações com a maior carga fiscal da UE. A nossa estrutura económica excessivamente dependente do turismo. O peso do nosso PIB, a nível comunitário, é muito pouco significativo. O rendimento médio dos portugueses permanece aquém do esperado. As nossas forças de segurança cada vez mais desprotegidas. As Forças Armadas carecem de efetivos e investimento. O desenvolvimento existe, é certo. Mas não tem sido cabalmente suficiente para atender quer às necessidades de desenvolvimento nacional quer à grandeza histórico-cultural da nossa bela nação.

O 25 de abril abriu-nos as portas da liberdade e da justiça social. Fez-nos trilhar um caminho que, não obstante, desvirtuou esse propósitos.

Obrigado,
Daniel Branco e Miguel Carvalho

domingo, 19 de abril de 2020

Compreendendo a ascensão de Hitler

Como é que Adolf Hitler, um dos mais famigerados tiranos da Era Contemporânea, orquestrador de um dos maiores genocídios da História humana, chegou ao poder num país democrático? Quais as circunstâncias subjacentes à sua ascensão?


Adolf Hitler na Primeira Guerra Mundial
Esta história principia com o fim da Primeira Guerra Mundial. 
Em 1918, com o constante avanço das potências aliadas, ganhar a guerra era um esforço cada vez mais improvável e inexequível para os alemães. Em novembro desse mesmo ano, o esforço de guerra do Império Germânico colapsou definitivamente. A guerra estava perdida. Com o avanço vitorioso dos Aliados, a Alemanha assinou um armistício que pôs fim ao conflito.

Tratado de Versalhes, 1919 - uma humilhação germânica para Hitler

Com a derrota na guerra e a queda do governo imperialista, o país foi assoberbado por uma incrível comoção social e política. As greves operárias, fomentadas pelo triunfo do Comunismo na União Soviética, eram constantes. A efervescência, o tumulto e a instabilidade civil espalharam-se por toda a nação.

Temendo uma revolução comunista, os principais partidos políticos congregaram esforços, suprimindo as revoltas e instaurando uma república parlamentar - a república de Weimar. Uma das tarefas do governo empossado seria, justamente, a implementação das cláusulas do tratado de paz imposto pelos aliados (Tratado de Versalhes, 1919).


Sátiro do NY Times, 1919- Tratado de Versalhes- Crise Pós Guerra
Em adição de ser amputada de cerca de um décimo do seu território, a Alemanha foi forçada a desmantelar o seu exército e reconhecer a sua responsabilidade pela eclosão do conflito. Procedeu ao pagamento de avultadas indemnizações de guerra às nações vencedoras, algo que ainda debilitou mais a sua já depauperada economia. A Alemanha, 1919, estava num estado miserável. O estado execrável e atroz da nação foi considerado uma humilhação por muitos nacionalistas e veteranos. Acreditavam, erradamente, que a guerra poderia ter sido ganha se o exército não tivesse sido traído e corrompido por políticos e opositores.

Para Hitler estas ideias tornaram-se uma convicção. Mais do que isso, uma obsessão. O seu fanatismo e desejos de expansão acabariam por se repercutir, de forma dramática, na perseguição dos judeus e desembocar num segundo conflito mundial.

Não obstante os seus delírios paranoicos e toda a malícia que rodeia esta figura, cumpre reconhecer que Hitler foi um grandes oradores do seu tempo. A maneira como estruturava as suas frases, os termos que empregava, o tom exacerbado do seu discurso encantou milhões de alemães e encontrou eco numa sociedade que contava com um grande núcleo de população antissemita. Em 1919, centenas de milhares de judeus integravam a sociedade alemã. Muitos ainda os consideravam como intrusos, indignos da sua nação.



O apoio do magnata norte-americano Henry Ford à causa nazi 
Depois da I Guerra Mundial, o êxito dos judeus levou a acusações infundadas. Muitos advogavam que haviam sido os judeus os grandes culpados pelo colapso na guerra. Estas teorias da conspiração
nasceram do medo, da raiva e do fanatismo. Não de factos. Não eram factos históricos. Eram factos histéricos. Apesar disso, a mensagem de Hitler triunfou.

Quando aderiu a um pequeno partido político-nacionalista, a erudição
do seu discurso manipulador propalou-o para a liderança do movimento. O partido nazi - NationAlsoZialistIsche Deutsche Arbeiterpartei- arrastava colossais multidões. Aliando ao seu antissemitismo o ressentimento popular, os nazis denunciaram o comunismo e o capitalismo como conspirações internacionais dos judeus com vista à destruição da Alemanha.

Numa fase embrionária do movimento, o partido nazi não era de todo popular. Depois de uma tentativa fracassada tendente a fazer colapsar o governo em funções, as atividades do partido foram interditadas. Hitler seria preso por traição. Ficaria encarcerado durante um ano na prisão de Landsberg-am-Lech. Aproveitaria para redigir a sua obra magna, a bíblia do nazismo - Mein Kampf.


A breve estadia de Hitler na prisão de Landsberg-am-Lech
 .
Depois da sua libertação, a reconstrução do movimento nazi seria reiniciada. Em 1929, mais um colapso na economia alemã: a Grande Depressão. Os principais bancos americanos retirariam os seus empréstimos à Alemanha, créditos esses que eram o grande alicerce da recuperação do país. A estrutura económica germânica, já em dificuldades, desmoronou-se de um dia para o outro.


Hitler, com mestria,  explorou a raiva da população. Ofereceu aos alemães convenientes bodes expiatórios pelo flagelo económico. Prometeu restaurar a antiga grandiosidade do Império Germânico. Prometeu a remilitarização. Prometeu a recuperação económica. Se a esquerda política alemã estava corroída por constantes disputas internas, os demais partidos mostravam-se igualmente incapazes de controlar e debelar a crise.

A miséria da Grande Depressão na Alemanha, anos 30

Por conseguinte, parte da população, frustrada, virou-se para os nazis.
Os seus votos parlamentares registaram o aumento exponencial de 3% para 18% em apenas dois anos. Em 1932, Hitler candidatou-se a presidente.
Perderia as eleições para o herói de guerra condecorado, o general von Hindenburg. Não obstante a sua derrota, com 36% dos votos, a dimensão do seu discurso e a magnitude do seu movimento político eram inequívocas.

No ano seguinte, conselheiros e magnatas industriais convenceram Hindenburg a nomear Hitler como Chanceler, na esperança de canalizar a sua popularidade para a prossecução dos seus objetivos particulares.

Pese embora o Chanceler seja, ainda hoje,  apenas o chefe administrativo do parlamento, Hitler foi expandindo paulatinamente o poder da sua posição. Entretanto, os seus apoiantes formavam grupos paramilitares e combatiam os opositores no meio da rua. Hitler despoletava o medo de uma revolta comunista. Reiterava que só ele poderia repor a lei e a ordem.

Em 1933, um jovem operário seria condenado, acusado de ter lançado fogo ao edifício do parlamento.
Hitler recorreu a este incidente para convencer o governo a conceder-lhe poderes especiais de emergência. Em meros meses, a estrutura democrática alemã seria inexoravelmente demolida: foi abolida a liberdade de imprensa; a oposição política seria dissolvida; leis discriminatórias contra os judeus seriam aprovadas. Possíveis rivais políticos, executados. Com o falecimento do presidente Hindenburg, em agosto de 1934, ficou bem claro que não haveria novas eleições. Hitler era o líder incontestável.

Comício de Nuremberga, 1936
Muitas das primeiras medidas de Hitler não necessitaram de recorrer ao controlo ou repressão de massas. Os seus discursos granjearam o apoio dos alemães ao movimento nazi. Concomitantemente, os homens de negócios e grandes intelectuais, desejosos de  estar do lado da opinião pública, apoiaram Hitler.


Convenceram-se uns aos outros que aquela retórica exacerbada e radical era apenas fachada. Com 6 milhões de judeus mortos e 60 milhões de baixas na Segunda Guerra Mundial, hoje sabemos que era muito mais que isso.

 Décadas mais tarde, a ascensão de Hitler constitui um aviso de como as instituições democráticas podem ser frágeis, perante multidões enraivecidas e perante um líder desejoso de alimentar essa raiva e medo. A consolidação da democracia deverá ser sempre um esforço conjunto e indeclinável, imune ao fanatismo tirânico e à desprestigiação do que é ser humano.

A ascensão de Hitler, 1933
Um obrigado, 
Miguel Carvalho

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Gripe espanhola - “a pandemia esquecida”

Boa noite,
O artigo de hoje foi redigido pelo Miguel Carvalho traz-nos um throwback a uma das mais devastadoras epidemias da história do nosso planeta. Não se esqueçam e partilhar e dar feedback! Boa leitura.

             Segunda-feira, 11 de Março de 1918, numa instalação de treino militar no Kansas, Fort Riley-EUA. Nessa manhã particular, num regimento que aquartelava 26 mil soldados norte-americanos , o soldado Albert Gitchell acordou num estado execrável. Com dor generalizada, garganta inflamada e uma febre altíssima -39,4ºC - dirigiu-se à enfermaria. Logo após Gitchell, seria a vez de o Cabo Lee Drake visitar a enfermaria com exatamente os mesmos sintomas. O Sargento Adolph Hurby seria o próximo a juntar-se a uma fila pela qual passariam, ao longo do dia, dezenas de outros soldados.

Terá sido Albert Gitchell o “paciente zero”, o primeiro infetado com a Gripe Espanhola de 1918? Essa é uma questão controversa até aos dias de hoje. O que sabemos é que milhares de unidades militares norte-americanas infetadas se dirigiriam, poucos meses depois, até aos campos de batalha europeus. 
O foco de contágio estava prestes a tornar-se global. 

             Se tudo indica que a gripe começou no Kansas, qual a razão da designação “Gripe Espanhola”? Parece não fazer qualquer sentido. Mas se analisarmos as raízes históricas subjacentes encontraremos a resposta. Em 1918, Espanha era das poucas nações neutrais do conflito na Europa Ocidental. Nesse sentido, seria a imprensa espanhola uma das mais diligentes e interventivas a noticiar a evolução do vírus. Gerar-se-ia a falsa convicção de que o vírus tinha nascido em Espanha e que estava a matar como nunca no nosso país vizinho. Espanha foi simplesmente a primeira nação a noticiar que o vírus existia. Por conseguinte, a expressão Gripe Espanhola emana de uma falsa convicção do público e não da realidade propriamente dita.

A disseminação do vírus foi explosiva e ...global. Estima-se que, no seu auge, 27% da população mundial tenha sido contagiada. 50 a 100 milhões de mortos. Em termos comparativos, a Primeira Guerra Mundial vitimou entre 20 a 25 milhões de pessoas. A Gripe Espanhola matou mais em 25 semanas que o vírus da HIV em 25 anos. Só nos EUA, perto de 700 mil pessoas perderam a vida. Esse número é 10 vezes superior ao número total de baixas militares e civis provocadas pela Guerra do Vietname. A esperança média de vida do homem norte-americano rondava os 39 anos em 1918. Em Portugal, dezenas de milhares de pessoas foram dizimadas. Estes números são assustadores, dignos de uma pandemia apenas ultrapassada em letalidade pela Segunda Guerra Mundial. Esperemos que sirvam como lições do passado perante os desafios com que nos deparamos nos dias que correm.

             No que concerne à análise de qualquer pandemia, é sempre da maior relevância atentar nas circunstâncias subjacentes à sua propagação. Afinal, como é que o vírus se disseminou a uma escala global numa era onde nem sequer a aviação comercial existia?


             Para a disseminação do vírus, contribuiu essencialmente a Primeira Guerra Mundial. O confinamento de milhares de soldados infetados, em espaços exíguos, desprovidos de quaisquer condições, ampliou os focos de contágio. Por outro lado, a Primeira Guerra foi a primeira a ser efetivamente... mundial. Envolveu não só as nações beligerantes, como as próprias colónias e uma enorme estratégia de mobilização. Múltiplos historiadores advogam que “o desenvolvimento de uma estratégia de guerra global, com vista à mobilização de um grande número de homens e maquinaria para combater em cenários de conflito próximo, foi decisiva para a expansão da epidemia”.

             Cumulativamente, a elevada letalidade da pneumónica acaba por ser indissociável de dois fatores nucleares: a grave sintomatologia e a precariedade dos cuidados médicos prestados.

             O vírus da gripe espanhola tinha a capacidade de afetar uma multiplicidade de sistemas do organismo, desde o respiratório até ao nervoso, passando pelo digestivo, renal ou circulatório. O número de sintomas associados era incomensurável pelo que mencionaremos apenas a febre elevada, hemorragias nasais , pneumonia e acumulação de fluidos pulmonares. Esta conjugação de sintomas era devastadora, conduzindo à morte. Eis o retrato de uma epidemia “demasiado severa para o seu tempo.”. 

Toda esta conjuntura de calamidade, associada ao morticínio da guerra, seria exacerbada pela existência de uma Ciência Médica que simplesmente não conseguiu encontrar soluções. Na altura,  os médicos não só não sabiam da existência de um vírus como não dispunham de microscópios que permitissem o desenvolvimento de estudos patológicos. Nunca existiu nenhuma campanha de sensibilização dos meios de comunicação social. O recurso a medidas efetivas de prevenção foi, para todos os efeitos, inexistente. A inércia dos “media” e subdesenvolvimento científico desencadearam uma das maiores catástrofes humanas da História Contemporânea.

             O objetivo deste artigo não passa por assustar os nossos estimados leitores, mas antes por reforçar a falibilidade da condição humana. Se a geração dos nossos tetravôs conseguiu, a muito custo, superar a guerra contra a Gripe Espanhola é da nossa obrigação moral e ética, atendendo à tecnologia que temos ao nosso dispor, que juntemos esforços para superar a Covid-19.

Obrigado pela atenção,

Miguel Carvalho